Demarcação de aldeia reacende conflito no morro dos Cavalos, em Palhoça



Representante dos moradores de Massiambu Pequeno alerta para tensão entre brancos e índios.

Edson Rosa

FLORIANÓPOLIS
Luiz Evangelista/ND
índios Palhoça

Sonho de quem busca qualidade de vida ou simplesmente precisa da natureza para sobreviver, o privilégio de morar entre a montanha e o mar tem tirado o sono de 77 famílias de Enseada do Brito, Massiambu Pequeno e praia da Araçatuba, Sul de Palhoça. As noites em claro atormentam pescadores, maricultores e pequenos proprietários rurais, alguns na quinta geração, com terras incluídas nos 1.998 hectares – 20 milhões de metros quadrados – demarcados pela Funai (Fundação Nacional do Índio) para a aldeia guarani Itaty (lugar de muitas pedras) do morro dos Cavalos, no km-235 da BR-101.
Acuadas pela conclusão do processo iniciado em 1993, que agora depende apenas do pagamento das indenizações e da desapropriação de áreas ocupadas, as três comunidades se uniram em busca de apoio político e jurídico. Solicitaram audiência pública na Assembléia Legislativa, e estão dispostos a fechar a BR-101 por tempo indeterminado ou acampar no pátio do Centro Administrativo do Estado, em Florianópolis.
Preocupada com as consequências sociais da saída das famílias da área demarcada, a representante dos moradores de Massiambu Pequeno, Bete Muniz, 50 anos, alerta para o iminente conflito entre brancos e Índios. “Precisamos de ajuda para convencer o Ministério da Justiça de que a demarcação precisa ser revista e evitar um confronto violento e o fim da convivência pacífica”, afirma. “Nada temos contra os índios, mas questionamos quem está por trás deles e os interesses obscuros da demarcação”, acrescenta.
De acordo com a comissão de moradores das comunidades atingidas, os índios guarani da etnia mbyá do morro dos Cavalos são oriundos do Paraguai. Teriam sido trazidos pela Funai em 1994, para viabilizar a demarcação. Aculturados, hoje vivem na vila de casas de alvenaria, com antenas parabólicas, construída na faixa de domínio da BR101, com dinheiro repassado pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), como medida compensatória pelos impactos ambientais da duplicação da BR-101
Relatório antropológico é questionado
Em meio ao calhamaço de ações contra e a favor da demarcação, tramita desde 2009 na Vara Ambiental da Justiça Federal em Florianópolis recurso dos moradores, questionando o relatório antropológico que classificou o morro dos Cavalos como ocupação indígena tradicional. A esperança das comunidades afetadas é anular o processo, questionando relatório dos antropólogos contratados pela Funai, por meio da ONG CTI (Centro de Trabalho Indígena).
Os primeiros índios alojados na região, segundo levantamento feito pelas comunidades brancas, chegaram em 1967. Naquela ocasião, quando as máquinas cortavam o morro dos Cavalos para abrir o primeiro trajeto da BR -101 em direção ao Sul, Júlio Moreira, um velho guarani nhadéva, decidiu ficar com os seis filhos pequenos junto ao canteiro de obras. Ali ficou até a década de 1970, quando morreu. Órfãos, os filhos de Moreira se dispersaram, e saíram definitivamente do morro em 1987.
Os moradores suspeitam de uso indevido de dinheiro público, e questionam a necessidade de dois túneis no morro dos Cavalos, como defendem os índios. O processo não tem previsão para julgamento.
Luiz Evangelista/ND
Palhoça
Demarcação de áreas como a praia de Araçatuba não mudará realidade de índios que moram no Cambirela, ao lado da aldeia do morro dos Cavalos

Água acentua impasse entre comunidades
Os moradores de Enseada do Brito, Massiambu e Araçatuba não questionam apenas a área demarcada, o valor irrisório das indenizações ou os estudos antropológicos sobre a presença indígena no morro dos Cavalos. Em meio a tantas demandas jurídicas, troca de acusações e ameaças, a água é o elemento que pode abreviar um conflito mais sério entre brancos e índios no Sul de Palhoça.
Se não bastasse a apreensão daqueles incluídos na lista de desapropriados publicada pela Funai no Diário Oficial da União, quem ficou foram da área demarcada também não está sossegado. “Nossa água vem da cachoeira, é captada de forma comunitária lá no morro, sem ajuda de ninguém. Ficou nas terras deles, e já falaram que vão cortar nossas mangueiras”, diz Osana Barbosa, 50, moradora no Massiambu Pequeno.
Ela faz uma previsão nada conciliadora. “Mesmo quem não for expulso vai brigar por seus parentes e vizinhos. Quem ficou fora da área demarcada não terá convivência pacífica com os índios”, acrescenta. Na Enseada do Brito, onde 20 famílias estão na área demarcada, a situação é a mesma. O restante da comunidade também depende da água captada em terras repassadas aos índios guarani.
Bete Muniz, representante do Massiambu Pequeno na comissão de moradores, apela à história como mais um argumento contrário à demarcação. Ela lembra que a rua Izidoro Domingos Medeiros, a geral, foi a primeira ligação entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, muito antes da BR-101. E que a ponte sobre o rio que dá nome a comunidade chegou a ser dinamitada durante a Revolução Federalista de 1930, para evitar que tropas gaúchas chegassem a Florianópolis. “A estrada pode ser fechada pela demarcação, isolando a comunidade e deixando de ser rota alternativa, em caso de acidentes naquele trecho da BR-101”, diz.

Luiz Evangelista/ND
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Maria das Neves Rodrigues, 55, moradora da praia de Araçatuba

Investimento sem má-fé
 “Eu e meu marido investimos tudo o que tínhamos aqui, a pesca é um aporte em nosso orçamento. Temos documento do terreno, pagamos impostos em dia e todas as benfeitorias foram feitas antes de sabermos desta demarcação. Essa praia é uma comunidade de pescadores há 360 anos, tem registro na casa paroquial da Enseada. Não é justo sairmos, com ou sem indenização.” Maria das Neves Rodrigues, 55, moradora da praia de Araçatuba.
Luiz Evangelista/ND
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Luiz Carlos Pavonatto, 52, pescador na praia de Araçatuba

Sustento do mar
 “Meus avós se criaram nestas terras, e nasci no mato enquanto minha mãe ajudava meu pai numa roça de mandioca. Quando eu tinha oito anos, meu pai morreu no Canto da Enseada, onde emborcamos uma bateira cheia de berbigões. Desde então, vivo aqui, da pesca e da maricultura. O primeiro índio apareceu no morro quando eu tinha sete anos, e nunca vi um deles pescando ou plantando para comer”. Luiz Carlos Pavonatto, 52, pescador na praia de Araçatuba.
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Palhoça
Ataíde Alcírio de Farias, 65, produtor rural no Massiambu Pequeno

Herdeiro perde terra produtiva
“Tenho 100 hectares de terra, parte herdada de meu avô, outra parte comprada de vizinhos tradicionais, onde crio gado e planto. Ainda tenho força para trabalhar, mas não sei o que será de mim quando for expulso daqui. Vou pegar meu gado e minhas tralhas, e acampar na BR-101. O interesse da Funai é manter o controle sobre o aquífero guarani, e as fontes de água mineral espalhadas por aqui. É de chorar”. Ataíde Alcírio de Farias, 65, produtor rural no Massiambu Pequeno.

Luiz Evangelista/ND
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Adriana Valda da Rosa, 36, dona de casa no Massiambu Pequeno

Medo da favela
“Herdei isso aqui do meu pai, que herdou do pai dele. Meu marido é pedreiro, ganha pouco e temos cinco filhos. Não quero sair daqui para morar numa favela na cidade. O dinheiro que dizem que estão oferecendo para pagar as casas, não compra nada, em lugar nenhum. Somos pobres, mas aqui temos segurança, meus filhos estão acostumados a viver aqui. Estamos com medo de sermos expulsos da casa”. Adriana Valda da Rosa, 36, dona de casa no Massiambu Pequeno.

Luiz Evangelista/ND
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Eduardo Almeida, 31, pescador na praia de Araçatuba

Dívidas e insônia
“Minha família sempre foi daqui, está aqui há pelo menos 150 anos, e herdei a pesca do meu pai. Meus avós tinham fazenda de café e engenho de farinha. Se formos expulsos, não poderei pagar o barco que financiei no Pronaf, nem o que investi na maricultura. Estamos desesperados, eu, minha mãe e minha mulher. Estou à base de remédio para depressão, não consigo mais dormir.” Eduardo Almeida, 31, pescador na praia de Araçatuba.
Fonte: ndonline.com.br

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